sexta-feira, 26 de novembro de 2021

DO ERUDITO AO CORDEL: A DAMA DAS CAMÉLIAS

A dama das camélias em cordel

(TRECHOS)

(Evaristo Geraldo)
 
Peço às musas que me deem
Um versejar sedutor,
Porque pretendo atrair
Toda a atenção do leitor,
Para narrar uma história
De ciúme, ódio e amor.
 
Dizem que uma paixão
Transforma qualquer pessoa,
Faz o perverso mudar
(Pede perdão e perdoa),
Modifica quem é ruim
Em gente pacata e boa.
 
Antigamente existiu
Na cidade de Paris
Uma cortesã famosa,
Uma linda meretriz,
Que era muito desejada,
Porém não era feliz.
 
Essa meretriz famosa
Se chamava Margarida,
Mulher dum corpo perfeito,
Muito bela, extrovertida,
Em toda a grande Paris
Ela era bem conhecida.
 
[...]
 
Margarida detestava
Das outras rosas o odor.
Então Dama das Camélias
Lhe chamavam com humor,
Pois a linda cortesã
Só aceitava essa flor.
 
Essa bela meretriz
Tinha a saúde agravada,
Pelo fato de levar
Uma vida conturbada
E por isso Margarida
Já tinha sido internada.
 
[...]
 
Margarida andava um dia
Pelas ruas de Paris,
Então um rapaz ao vê-la
Se apaixona e logo diz:
- Essa mulher vai ser minha
Ou nunca serei feliz!
 
Esse rapaz se chamava
Por nome Armando Duval,
Um jovem de vinte anos,
Mui belo e sentimental,
Filho de boa família
E muito tradicional.
 
[...]
 
Tinha a bela Margarida
Amigos de confidência:
Eram Nichette, Gastão
E sua vizinha Prudência,
Que foi quem levou Armando
Para a sua residência.
 
Essa vizinha apresenta
Armando pra Margarida,
Dizendo: - Este rapaz sente
Por ti paixão desmedida
E o seu maior desejo
É te amar por toda vida.
 
[...]
 
Margarida diz: - Armando,
Faço-te uma confissão:
Sou uma mulher doente
E de má reputação.
Meu viver é melancólico,
Pra mim não tem solução!
 
Sobrevivo recebendo
Dinheiro de figurões;
Sou paga pra dar a eles
Prazer e satisfações.
Se parar de trabalhar,
Passarei mil privações.
 
Armando, você é moço,
É belo e tem simpatia,
E acharás uma mulher
Que tenha melhor valia,
Pois eu não sou para ti
Uma boa companhia.
 
[...]
 
Os dois começaram a viver
Uma bonita paixão.
Eles sempre estavam juntos,
Era linda essa união.
Pareciam que eram duas
Almas num só coração.
 
Margarida abandonou
Aquele mundo de orgia;
Não mais andou em noitadas,
De casa pouco saía
E dos seus ricos amantes
Margarida se escondia.
 
Margarida amava Armando
Com carinho e muito afã;
Ela sonhava pra eles
Um promissor amanhã,
E por isso abandonou
A vida de cortesã.
 
[...]
 
Para evitar desconforto
Intrigas e inimizade,
Margarida decidiu
Ausentar-se da cidade,
Pois o que ela mais queria
Era ter tranquilidade.
 
Margarida então decide
Morar na zona rural
Ao lado do seu amado,
O belo Armando Duval,
Pois só assim eles dois
Teriam vida normal.
 
[...]
 
Nesse clima harmonioso
Tudo era felicidade,
Mas lhes faltavam dinheiro
Pra tanta comodidade,
Porém só ela sabia
Dessa dura realidade.
 
Margarida começou
Vender o que possuía
Para poder custear
Despesas do dia a dia,
Mas ela não revelava
Para Armando o que fazia.
 
[...]
 
Depois que Armando saiu
Prudência diz: - Margarida,
Quero saber se tu és
Feliz, levando essa vida.
Tens certeza desse amor?
Responde, minha querida.
 
Margarida disse: - Amiga,
Com toda sinceridade,
O que sinto por Armando
Tem bastante intensidade
E isso é mais que paixão,
É um amor de verdade!
 
[...]
 
Na hora em que ela falava
Sobre esse tão grande amor
Sua criada interrompe
Dizendo: - Tem um senhor
Lá fora e quer lhe falar,
Dizer algo de valor.
 
Quando esse homem entrou,
Falou de forma brutal,
Dizendo pra Margarida:
- Me chamo Jorge Duval.
Vim falar cobre meu filho,
Um jovem sentimental.
 
[...]
 
Ouça-me, então, Margarida,
Com muita calma e atenção:
Minha filha vai casar
Com alguém de posição,
Mas a família do noivo
Impôs certa condição...
 
E é pela minha filha
Que vim aqui, Margarida;
Porque ela é para mim
Uma joia preferida,
Mas sua felicidade
Já está comprometida.
 
A família do meu genro
Me faz pressão toda hora:
E diz que vai retirar
A palavra sem demora
Se meu filho persistir
Em viver com a senhora.
 
[...]

Gostou do cordel??
O que será que Margarida irá fazer diante do apelo do pai do seu grande amor?
Que tal adquirir o cordel e conferir!?





A dama das camélias em cordel é uma adaptação do clássico de Alexandre Dumas Filho para a literatura de cordel, escrita por Evaristo Geraldo e ilustrada por Veridiana Magalhães. O texto conta com 936 versos divididos em 156 estrofes, que narram de maneira fluida e deleitosa uma história de amor, cheia de preconceito e empecilhos. 




A dama das camélias, ou La dame aux camélias, de Alexandre Dumas Filho, em sua versão original, é um romance francês, publicado em 1848. Retrata a história de amor entre uma prostituta chamada Margarida Gautier e um jovem chamado Armando Duval. A narrativa se passa em Paris, capital da França, e mostra, mesmo que sutilmente, uma sociedade marcada pela divisão de valores. Se por um lado, Margarida, a dama das camélias, vivia sob o glamour e luxo parisiense, sendo a cortesã mais requisitada da cidade, é na simplicidade do campo que ela e seu amado se reclusam para viver um grande amor. Porém, diante do preconceito que marcava os costumes da época, principalmente pelo passado da heroína, a relação entre os dois foi interrompida. 


Interessante, não é?


Leia também aqui neste blog outro clássico adaptado para a literatura de cordel: Memórias póstumas de Brás Cubas em cordel.

sexta-feira, 12 de novembro de 2021

O CASAMENTO DO POTÓ COM A BARATA

O casamento do potó com a barata
 
(Jesus Rodrigues Sindeaux)
 
Poeta quando se inspira
Sonha até mesmo acordado
E sempre traz uma história
Do presente ou do passado
Eu agora conto um caso
Que é cem por cento engraçado.
 
Pois eu fui a um casamento
Do potó com uma barata
A barata aprontou-se
E ficou muito pacata
O véu era teia de aranha
Quem lhe deu foi o pai-da-mata.
 
Foram logo pra igreja
Para poder se casar
O padre era o borrachudo
O sacristão um mangangá
Mas o potó tomou um porre
Não pôde se confessar.
 
Mosquito por ser jeitoso
Conversou com o mangangá
Que foi pedir ao vigário
Para o noivo se casar
E o potó ébrio casou-se
Etcétera e grafuá.
 
Depois na casa da noiva
Foi uma festa danada
Mataram setenta moscas
E fizeram panelada
Lagartixa era gulosa
Quase morre empanzinada.
 
Assanhou-se a bicharada
Fazendo o maior tumulto
Tinha inseto lá da mata
Mesmo que fosse matuto
Depois que se embriagava
Partia para o insulto.
 
Pois em questão de minutos
Começou a confusão
A dona caranguejeira
Lutava contra o ferrão
Dum besouro conhecido
Como cavalo-do-cão.
 
O mosquito pernilongo
Tentou os dois acalmar
Mas o cavalo-do-cão
Ferroava pra danar
Caranguejeira lutando
Começou se arrepiar.
 
Numa luta encarniçada
Cada qual o mais valente
Um brigando com ferrão
Já o outro era no dente
Um partia para cima
Lutando de frente a frente.
 
Eita que inseto valente
É uma caranguejeira!
Com seu pelo insuportável
Contaminou a poeira
Todo bicho ali pulava
Se lascando de coceira.
 
Só se ouvia a zueira
Inseto pra todo lado
Cada num que se coçava
Ficava muito vexado
Pois o sapo cururu
Pulava desesperado.
 
Um mosquito amedrontado
Convidou a muriçoca
Começaram se coçando
Escondidos numa loca
Mas tiveram que sair
Da casinha da minhoca.
 
Uma pulga e um taioca
Foram parar no terreiro
Uma formiga-de-roça
Fugiu para o formigueiro
Se coçando pra danar
Era grande o desespero.
 
Um piolho era porteiro
Bajulava sem estilo
Não suportando a coceira
Correu na frente dum grilo
Uma pedra lhe esmagou
Que pesava quase um quilo.
 
Lá na festa também tinha
Um casal de escorpião
Se coçando igual a um mico
Embolava-se no chão
E coçava mais as partes
Que um soim ancião.
 
Nem abelha com ferrão
Se livrou da anarquia
Também entrou no embalo
A perereca e a jia
A perereca coçava
A outra se lambia.
 
Foi tremenda a correria
Era uma briga sem fim
Um carrapato gritava:
- Saiam de perto de mim!
Rasgou a roupa todinha
Duma fêmea de cupim.
 
Narro tim tim por tim tim
Só não sei se foi exato
Punaré coçava o bucho
Do mesmo jeito do rato
Que morreu doido escondido
Se coçando num sapato.
 
Lá tinham dois carrapatos
E um casal de mucuim
Todos quatro se coçando
Fazendo o maior festim
Soltavam puns que fediam
Igualmente a um guaxinim.
 
Ali dois papas-capim
Se sentiram arrepiados
Tinha coceira esquisita
Um magote de veados
E os pobres de jacus
Ficaram muito pelados.
 
Os bichos tão revoltados
Cada um que tá na lista
Tinha inseto tocador
E inseto motorista
O macaco era doutor
E o tamanduá dentista.
 
O cancão era oculista
Também estava na festa
Um guabiru se coçando
Rasgou o couro da testa
Correu no mato igualmente
Um cachorro da mulesta.
 
Também correu na floresta
A raposa embriagada
Rolava pelas pedreiras
Ficando toda pelada
Nisso a pobre dava uivo
Com a coceira danada.
 
Mucuim embriagou-se
Puxou a faca amolada
Pichilingo revoltou-se
Foi uma bagunça danada
Começou boca da noite
Foi parar de madrugada.
 
E o potó com muito medo
Chamou logo o delegado
Carrapato de cachorro
Nesse tempo era soldado
Percevejo era escrivão
E o mosquito advogado.
 
Atirou no mucuim
Porque estava afobado
Pichilingo revoltou-se
E matou o delegado
Já vi que bicho valente
Brabo igual a um condenado.
 
Correndo pra todo lado
Todo bicho amedrontado
O mucuim se coçando
Gritava muito arretado
Eu mato um por um
Não deixo um só desgraçado.
 
E correu todo cagado
Um pobre tijuaçu
Entraram de mata a dentro
Um peba junto a um tatu
Foram parar na Serra Grande
Lá pras bandas do Ipú.
 
E vocês fiquem sabendo
Que não sei se foi exato
Pois é sonho de poeta
Nesse folheto barato
É história de Trancoso
Contada por Fortunato.
 
Sou narrador e relato
Pra quem não é duvidoso
Eu acredito bastante
Nas histórias de Trancoso
Pois também escrevo lendas
Só nunca fui mentiroso.
 
A minha história é completa
De pura imaginação
Com base na humanidade
Eu faço a comparação
Porque uma fruta podre
Causa contaminação.


O vídeo abaixo trata de um casamento parecido, porém da Dona Baratinha. 
Clique e confira: