quinta-feira, 21 de janeiro de 2021

DO ERUDITO AO CORDEL: MEMÓRIAS PÓSTUMAS DE BRÁS CUBAS

 Memórias póstumas de Brás Cubas em cordel 

(TRECHOS)

(Varneci Nascimento) 

Com a pena da galhofa, 
Tinta da melancolia, 
Vou contar depois de morto 
Como eu vivi um dia, 
Cumprindo uma obrigação 
Que para o mundo eu devia. 

Para não ser trivial,
Como fui quando vivi, 
E por ser Memórias póstumas 
De Brás Cubas, isto aqui, 
Trata-se da minha história 
Feita depois que morri. 

Morte, que aconteceu 
Na tarde de sexta-feira, 
Às duas horas da tarde, 
Foi a minha derradeira 
Na Chácara de Catumbi, 
Que vivi a vida inteira. 

Era o século dezenove, 
Agosto era o mês, 
O ano sessenta e nova, 
Idade, sessenta e três. 
Com mais um, de onde estou, 
Escrevo isso a vocês. 

[...] 

Umas nove ou dez pessoas 
Foram me acompanhar 
Na derradeira viagem, 
Para nunca mais voltar, 
Sendo três da minha família, 
Que nem era pra contar. 

Foi uma pneumonia 
Que a minha vida tirou, 
Veio ajudada por uma 
Ideia que fracassou, 
Pois a tive, mas a mesma 
De forma alguma vingou. 

[...] 

Por pensar ser superforte, 
Aos poucos fui me afracando. 
A doença, a toda força, 
Ia me debilitando. 
Com isso o fim dos meus dias 
Desta forma foi chegando. 

Deitado na minha cama, 
De repente vi entrar 
Uma senhora de preto, 
Tristonha, quase a chorar: 
A ex-amante que vinha 
Se ex-amor visitar. 

De dois grandes namorados 
Nada mais havia ali. 
Eu, doente, já morrendo, 
Ela, velha, percebi, 
Era o passado presente, 
Como antes nunca vi. 

[...] 

E na frente de Virgília 
Comecei a delirar 
Entre o Éden e Abraão, 
Para assim poder chegar 
Ao dia em que nasci, 
Que foi espetacular. 

Dia vinte de outubro 
De um, oito, zero cinco 
Vim a esse mundo para, 
Com toda força e afinco, 
Tornar-me da prole Cubas 
O mais precioso brinco. 

[...] 

Em março do ano seguinte 
Eu fui então batizado 
Pelo coronel Rodrigues 
E sua esposa de lado, 
Descendentes das famílias 
Do Norte tão afamado. 

[...] 

Crescia naturalmente 
Fazendo estripulia, 
Malino e muito arguto, 
Gostava de zombaria. 
A cabeça duma escrava 
Quase arrebentei um dia. 

E tudo isso porque 
Um doce me havia negado, 
De cinza no tacho cheio 
Inda joguei um punhado, 
Daí porque a alcunha 
De “Menino Endiabrado”. 

[...] 

A assombração de todos 
Foi grande e imediata. 
Na escola também fui 
Uma criança ingrata 
Que atazanava o mestre, 
Seu Ludugero Barata. 

Lá conheci Quincas Borba, 
Um menino gracioso, 
Tão inventivo, travesso 
E por demais buliçoso, 
Que brincando só fazia 
Papel de príncipe famoso. 

Mas, já com dezessete 
Anos de vida singela, 
Tornei-me cativo duma 
Cortesã bastante bela, 
Espanhola sem escrúpulos 
Chamada “Linda Marcela”. 

Mergulhei numa paixão 
Profunda por tal mulher, 
Mesmo sabendo que ela 
Amava um tal Xavier. 
Aí vi que o coração 
Faz conosco o que quiser. 

[...] 

Daí não levei a sério 
Aquela universidade. 
Um aluno sem ciência, 
Cheio de mediocridade. 
O diploma para mim era 
A carta de liberdade. 

Separar-me de Marcela 
Foi meu grande cataclismo. 
Fui fraco por não lutar, 
Aceitando o ostracismo, 
Mas, na Europa, assisti 
O parto do Romantismo. 

Justo quando me chegou 
De meu pai uma missiva: 
Se não vieres depressa 
Não achas tua mãe viva, 
Que ela, além do reumatismo, 
Tem doença digestiva. 

Com tal notícia parti, 
Feito uma bala, ligeiro, 
Pra poder ver minha mãe, 
Que me amou o tempo inteiro, 
A fim de achá-la ainda
Viva no Rio de Janeiro. 

[...] 

E nisso chegou meu pai 
Pra poder me convencer 
A tornar-me um político. 
Fui franco em lhe dizer: 
- Não entendo dessas coisas. 
- Nem precisa, basta ser... 

Até uma noiva pra mim 
Ele havia arrumado, 
Porque para ser político 
Precisava ser casado, 
E ainda mais com uma mulher 
De nome bem respeitado. 

Seu nome era Virgília, 
Filha de um conselheiro, 
O qual se chamava Dutra, 
Homem de fama e dinheiro, 
Respeitado na política 
Em todo Rio de Janeiro. 

[...] 

Após um mês já estava 
Cheio de intimidade. 
Com Dutra e sua família 
Era grande a amizade,
Mas adivinhem quem eu 
Um dia vi na cidade? 

Foi a Marcela que vi 
Num cubículo empoeirado, 
Mas a beleza de outrora 
A doença havia levado 
E trazido uma velhice 
Precoce e lhe acabado! 

Não a conheci na hora, 
Ela tentou se esquivar, 
Mas não teve como, e veio 
Depois me cumprimentar. 
Daí em diante nós dois 
Começamos a conversar. 

[...] 

Se no passado Marcela 
Não foi minha inteiramente, 
A Virgília também não, 
Porque, repentinamente 
Arrumaram para ela 
Um mais forte pretendente. 

Era um tal de Lobo Neves, 
Que Virgília conheceu. 
Não era mais elegante, 
Nem simpático do que eu, 
Mas por grandes influências, 
Esse homem me venceu. 

[...] 

Quando era pra casarmos, 
Eu pouco lhe tive amor, 
Mas, agora ela casada, 
Senti certo ardor 
Dentro do meu coração 
Que viu seu grande valor. 

E assim o nosso amor 
Nasceu igual um vulcão 
Que, não contendo as lavas, 
Entra em erupção, 
Botando tudo pra fora, 
Sem olhar destruição. 

[...] 

Depois desse acontecido 
Virgília e eu passamos 
A nos amarmos bem mais 
Do que quando começamos, 
E bem mais apaixonados 
Com certeza nós ficamos. 

Até que um certo dia 
Percebi-a abatida, 
Fatigando-se com tudo, 
Cansava até na descida, 
Com mal-estar e enjoo 
Próprio de quem engravida! 

[...] 

Lá se foi ela para o Norte. 
No Rio sozinho fiquei 
Pensando no seu amor, 
No tanto que a amei: 
“E minha vida agora 
Não sei como viverei!” 

Lembram-se do Quincas Borba? 
Pois veio me visitar, 
Pra sua filosofia 
Com todo esmero explicar 
E eu mesmo fiz questão 
De com afinco o escutar: 

- O Humanitismo tem 
Três fases: a expansiva, 
Quando aparece o homem. 
Surge aí a dispersiva. 
O homem absorve todas 
Na chamada contrativa. 

[...] 

Desiludido, saí 
Da política muito mal. 
Daí chamei Quincas Borba, 
O filósofo genial, 
Pra podermos fundar juntos 
Na cidade um jornal. 

[...] 

Meu amigo Quincas Borba, 
Caro leitor, nessa altura, 
Começou a dar sinais 
De fraqueza na estrutura 
Que agravando virou-se 
Em verdadeira loucura. 

Na ideia do jornal 
Novamente fracassei. 
Com meu cunhado Cotrim 
Então me reconciliei 
E para a Ordem Terceira 
A seu convite entrei. 

Após três anos ou quatro 
Da Ordem queria sair. 
Antes encontrei Marcela 
Num cortiço a se esvair 
E a levei para o médico, 
Sem esperar mais porvir. 

[...] 

Também já estava velho 
E via meu fim chegando 
Da aurora ao crepúsculo 
A vida foi caminhando. 
Fazendo o emplasto vi 
A doença me pegando. 

Daqui do mundo dos mortos, 
Leitor, eu o lembrarei: 
Se quer ver de novo como 
Os meus dias terminei, 
Contando o meu declínio 
Este livro comecei. 

[...] 

Gostou do cordel???
Para saber como ele termina, você terá que adquirir o livro.




Memórias póstumas de Brás Cubas em cordel é um livro, o qual costumo mencionar como livro-cordel, já que foge do modelo tradicional de publicação dos folhetos, em termos de tamanho e qualidade das folhas de papel. O livro-cordel costuma ser maior, não na quantidade de páginas, mas no tamanho do livro mesmo. Ainda apresenta uma qualidade melhor das folhas que nele são inseridas, bem como na sua capa. Tudo isso faz com que o livro-cordel custe um pouco mais caro do que o folheto comum, que atualmente custa entre 3 e 5 reais. O outro, por sua vez, custa em torno de 30 reais.




Memórias póstumas de Brás Cubas é um romance escrito pelo ilustre Machado de Assis, um dos maiores representantes do Realismo brasileiro. A sua primeira edição foi publicada em 1881, porém seus capítulos já haviam sido publicados separadamente na Revista Brasileira, em 1880. Tem como personagem principal um homem chamado Brás Cubas, que escreve seu livro do além, depois de sua morte, decorrente de uma pneumonia. O protagonista narra sua trajetória de vida, desde a sua infância, quando sua maior diversão era maltratar os escravos, até a vida adulta, com a sua entrada para a política, a adesão ao "Humanitismo", doutrina filosófica criada pelo seu amigo Quincas Borba, e o envolvimento com várias mulheres. O enredo é marcado por traços fortes da literatura machadiana, como a ironia, a crítica e o diálogo com o leitor.

Interessante, não é??
Que tal ler o livro de Machado de Assis??


Leia também aqui neste blog outros cordéis de Varneci Nascimento: O coronavírus em versos da literatura de cordel e Branca de Neve em cordel.

sexta-feira, 8 de janeiro de 2021

LITERATURA PATOENSE: A POESIA DE EVERALDO NÓBREGA

ÀS VEZES


Às vezes
Quando se gosta
Há coisas que não se entende
Nem se compreende.

Às vezes
Quando se gosta
Não importa o quando
Mas sim o quanto.

Às vezes
Quando se gosta
Valem os bons sentimentos
Mais que os momentos.

Às vezes
Quando se gosta
Percebem-se os segredos
Num toque de dedos.

Às vezes
Quando se gosta
Mesmo se ficando mudo
Um olhar diz tudo.

Às vezes
Quando se gosta
Há surpresas do destino
Pelo nosso caminho.

Às vezes
Quando se gosta
Sentimentos adormecidos
Despertam enternecidos.

Às vezes
Quando se gosta
Não se ousa nominar
O sentir, o amar.


HOMENAGEM

Querida e amada amiga
Hoje me lembrei de você.
Mas como, pessoalmente,
Não posso como queria
Dar-lhe uma rosa real
Mando-lhe, eletronicamente,
Lindo bouquet virtual.


EM PRETO E BRANCO

No retrato em preto e branco
Lá está a menininha
Segurando a bonequinha.
Em verdade, em verdade,
Duas bonequinhas são
Cada qual de um artesão.

Mas logo por simpatia
Fui notar a garotinha
Com jeito de princesinha.
Pequenina ela é
Tendo porte elegante
E presença bem marcante.

Também tem cabelos curtos
E dois bonitos olhinhos
Brilhando no seu rostinho.
Com seu olhar de criança
Reflete todo o carinho
Contido no semblantinho.

E no jeitinho feliz
Dá ao mundo alegria
Com a sua simpatia.
No retrato em preto e branco
Que menina bonitinha
Com a sua bonequinha!


Fonte: Google


Everaldo Nóbrega nasceu em São Mamede - Paraíba, mas foi criado em Patos, por esta razão considera-se patoense. É advogado, jurista, escritor e poeta. Algumas de suas obras são: Filigranas da vida, Escaninhos da memória e Travessias: contos, crônicas e poesias.

Viu como são bonitos os poemas de Everaldo Nóbrega?

Qual deles você mais gostou?


Conte-nos deixando o seu comentário.


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