sexta-feira, 24 de dezembro de 2021

UM CORDEL SOBRE O NATAL

CARTA A PAPAI NOÉ
(Luiz Campos)

Seu moço eu fui um garoto
Infeliz na minha infância
Que soube que fui criança
Mas pela boca dos outo.
Só brinquei com os gafanhoto
Que achava nos tabuleiro
Debaixo dos juazeiro
Com minhas vaca de osso
Essa catrevage, sêo moço
Que a gente arranja sem dinheiro.

Quando eu via um gurizin
Brincando de velocipe
De caminhão e de gipe
Bola, revólver e carrin
Sentia dentro de mim
Desgosto que dava medo
Ficava chupando o dedo
Chorando o resto do dia
Só pruquê eu num pudia
Pegar naqueles brinquedo.

Mas preguntei uma vez
A uns fio de dotô
Diga, fazendo um favô
Quem dá isso pra vocês?
Mim respondeu logo uns três
Isso aqui é os presente
Que a gente é inocente
Vai drumí às vêis nem nota
Aí Papai Noé bota
Perto do berço da gente.

Fiquei naquilo pensando
Inté o Natá chegá
E na Noite de Natá
Eu fui drumi mim lembrando
Acordei fiquei caçando
Por onde eu tava deitado
Seu moço eu fui enganado
Que de presente o que tinha
Era de mijo uma pocinha
Que eu mermo tinha botado

Saí c’a bixiga preta
Caçando os amigos meu
Quando eles mostraram a eu
Caminhão, carro e carreta
Bola, revólver, corneta
E trem elétrico, até
Boneca, máquina de pé
Mas num brinquei, só fiz vê
E resolvi escrevê
Uma carta a Papai Noé.

“Papai Noé, é pecado
Os outro se matratá
Mas eu vou le recramá
Um troço que tá errado
Que aos fio de deputado
Você dá tanto carrin
Mas você é muito ruim
Que lá em casa num vai
Por certo num é meu pai
Que num se lembra de mim.

Já tô certo que você
Só balança o povo seu
E um pobe qui nem eu
Você vê, faz qui num vê
E se você vê, porque
Na minha casa num vem?
O rancho que a gente tem
E pequeno mas le cabe
Será que você num sabe
Qui pobe é gente também?
Você de roupa encarnada,
Colorida, bonitinha
Nunca reparou que a minha
Já tá toda remendada
Seja mais meu camarada
Prêu num chamá-lo de ruim
Para o ano faça assim:
Dê menos aos fio dos rico
De cada um tire um tico,
Traga um presente pra mim.

Meu endereço eu vou dá,
Da casa que eu moro nela
Moro naquela favela
Que você nunca foi lá
Mas quando você chegá
Que avistá uma paióça
Cuberta cum lona grossa
E dois buraco bem grande
Uma porta véia de frande
Pode batê que é a nossa.

sexta-feira, 10 de dezembro de 2021

CLÁSSICOS DO CORDEL: AS PROEZAS DE UM NAMORADO MOFINO

As proezas de um namorado mofino
(Leandro Gomes de Barros)
 
Sempre adotei a doutrina
Ditada pelo rifão,
De ver-se a cara do homem
Mas não ver-se o coração,
Entre a palavra e a obra
Há enorme distinção.
 
Zé-pitada era um rapaz
Que em tempos idos havia
Amava muito uma moça
O pai dela não queria...
O desastre é um diabo
Que persegue a simpatia.
 
Vivia o rapaz sofrendo
Grande contrariedade
Chorava ao romper da aurora
Gemia ao virar da tarde
A moça era como um pássaro
Privado da liberdade.
 
Porque João-mole, o pai dela
Era um velho perigoso,
Embora que Zé-pitada
Dizia ser revoltoso,
Adiante o leitor verá
Qual era o mais valoroso.
 
Marocas vivia triste
Pitada vivia em ânsia,
Ele como rapaz moço
No vigo de sua infância,
Falar depende de fôlego
Porém obrar é sustância.
 
Disse pitada a Marocas:
- Eu preciso lhe falar
Já tenho toda certeza,
Que é necessário a raptar,
À noite espere por mim
Que havemos de contratar.
 
Disse Marocas a Zezinho:
- Papai não é de brincadeira,
Diz Zé-pitada: - Ora esta!
Não me venha com asneira
Você pode ver-me as tripas
Porém não verá carreira.
 
- Diga a que hora hei de ir,
Eu dou conta do recado
Inda seu pai sendo fogo,
Por mim será apagado,
Eu juro contra minh’alma
Que seu pai corre assombrado.
 
Disse Marocas: - Meu pai
Tem tanta disposição
Que uma vez tomou um preso
Do poder de um batalhão,
Balas choviam nos ares,
O sangue ensopava o chão.
 
Disse ele: - Eu uma vez
Fui de encontro a mil guerreiros,
Entrei pela retaguarda,
Matei logo os artilheiros,
Em menos de dez minutos
O sangue encheu os barreiros.
 
Disse Marocas: - Pois bem
Eu espero e pode ir,
Porém encare a desgraça,
Se acaso meu pai nos vir,
Meu pai é de ferro e fogo,
É duro de resistir.
 
Marocas não confiando
Querendo experimentar,
Olhou para Zé-pitada
Fingindo querer chorar,
Disse: - Meu pai acordou,
E nos ouviu conversar.
 
Valha-me Nossa Senhora!
Respondeu ele gemendo,
Que diabo eu faço agora?!...
E caiu no chão tremendo,
Oh! Minha Nossa Senhora!
A vós eu me recomendo
 
Nisso um gato derrubou
Uma lata na dispensa,
Ele pensou que era o velho,
Gritou: Oh! Que dor imensa!
Parece que estou ouvindo
Jesus lavrar-me a sentença.
 
- A febre já me atacou,
Sinto frio horrivelmente.
Com muita dor de cabeça,
Uma enorme dor de dente,
Está me dando a erisipela,
Já sinto o corpo dormente.
 
- Antes eu hoje estivesse
Encerrado na cadeia,
De que morrer na desgraça,
E duma morte tão feia,
Veja se pode arrastar-me,
Que minha calça está cheia.
 
- Por alma de sua mãe,
E pela sagrada paixão,
Me arraste por uma perna
E me bote no portão,
A moça quis arrastá-lo,
Não teve onde pôr a mão.
 
Ela tirou-lhe a botina,
Para ver se o arrastava,
Mas era uma fedentina,
Que a moça não suportava,
Aquela matéria fina
Já todo o chão alagava.
 
Disse a moça: - Quer um beijo?
Para ver se tem melhora?
Ele com cara de choro,
Respondeu-lhe: - Não, senhora,
Beijo não me salva a vida,
Eu só desejo ir-me embora.
 
Então lhe disse Marocas:
- Desgraçado!... Eu bem sabia,
Que um ente de teu calibre,
Não pode ter serventia.
Creio que fostes nascido
Em fundo de padaria.
 
- Meu pai ainda não veio
Eu hoje estou sozinha,
Zé-pitada aí se ergueu,
E disse: - Oh minha santinha!
A moça meteu-lhe o pé,
Dizendo: - Vai-te murrinha!
 
E deu-lhe aí uma lata,
Dizendo: - Está aí o poço,
Você ou lava o quintal
Ou come um cachorro ensosso,
Se não eu meto-lhe os pés
Não lhe deixo inteiro um osso.
 
Disse ele: - Oh! meu amor!
O corpo todo me treme,
Minha cabecinha está,
Que só um barco sem leme,
Parece-me faltar o pulso,
O Anjo da Guarda geme.
 
Então a moça lhe disse:
- O senhor lava o quintal
Olhe uma tabica aqui!...
Lava por bem ou por mal,
Covardia para mim,
É crime descomunal.
 
E lá foi nosso rapaz
Se arrastando com a lata,
A moça ali ao pé dele,
Lhe ameaçando a chibata,
Ele exclama chorando:
- Por amor de Deus não bata.
 
- Vai, miserável de porta
Quero já limpo isso tudo,
Um homem de sua marca
Pequeno, feio e pançudo,
Só tendo sido criado
Onde se vende miúdo.
 
Disse o Zé quando saiu:
- Eu juro por Deus agora,
Ainda uma moça sendo
Filha de Nossa Senhora,
E olhar para mim, eu digo:
- Desgraçada, vá embora!!





Você sabe o que significa a palavra mofino?

Segundo o dicionário Michaelis (on-line), mofino significa: aquele que é infeliz, importuno, covarde, avarento ou enfermiço.

Clique AQUI e confira.


Para ouvir esse cordel sendo recitado, clique no vídeo abaixo:





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Leia também aqui neste blog: Viagem a São Saruê e Uma viagem ao céu.


sexta-feira, 26 de novembro de 2021

DO ERUDITO AO CORDEL: A DAMA DAS CAMÉLIAS

A dama das camélias em cordel

(TRECHOS)

(Evaristo Geraldo)
 
Peço às musas que me deem
Um versejar sedutor,
Porque pretendo atrair
Toda a atenção do leitor,
Para narrar uma história
De ciúme, ódio e amor.
 
Dizem que uma paixão
Transforma qualquer pessoa,
Faz o perverso mudar
(Pede perdão e perdoa),
Modifica quem é ruim
Em gente pacata e boa.
 
Antigamente existiu
Na cidade de Paris
Uma cortesã famosa,
Uma linda meretriz,
Que era muito desejada,
Porém não era feliz.
 
Essa meretriz famosa
Se chamava Margarida,
Mulher dum corpo perfeito,
Muito bela, extrovertida,
Em toda a grande Paris
Ela era bem conhecida.
 
[...]
 
Margarida detestava
Das outras rosas o odor.
Então Dama das Camélias
Lhe chamavam com humor,
Pois a linda cortesã
Só aceitava essa flor.
 
Essa bela meretriz
Tinha a saúde agravada,
Pelo fato de levar
Uma vida conturbada
E por isso Margarida
Já tinha sido internada.
 
[...]
 
Margarida andava um dia
Pelas ruas de Paris,
Então um rapaz ao vê-la
Se apaixona e logo diz:
- Essa mulher vai ser minha
Ou nunca serei feliz!
 
Esse rapaz se chamava
Por nome Armando Duval,
Um jovem de vinte anos,
Mui belo e sentimental,
Filho de boa família
E muito tradicional.
 
[...]
 
Tinha a bela Margarida
Amigos de confidência:
Eram Nichette, Gastão
E sua vizinha Prudência,
Que foi quem levou Armando
Para a sua residência.
 
Essa vizinha apresenta
Armando pra Margarida,
Dizendo: - Este rapaz sente
Por ti paixão desmedida
E o seu maior desejo
É te amar por toda vida.
 
[...]
 
Margarida diz: - Armando,
Faço-te uma confissão:
Sou uma mulher doente
E de má reputação.
Meu viver é melancólico,
Pra mim não tem solução!
 
Sobrevivo recebendo
Dinheiro de figurões;
Sou paga pra dar a eles
Prazer e satisfações.
Se parar de trabalhar,
Passarei mil privações.
 
Armando, você é moço,
É belo e tem simpatia,
E acharás uma mulher
Que tenha melhor valia,
Pois eu não sou para ti
Uma boa companhia.
 
[...]
 
Os dois começaram a viver
Uma bonita paixão.
Eles sempre estavam juntos,
Era linda essa união.
Pareciam que eram duas
Almas num só coração.
 
Margarida abandonou
Aquele mundo de orgia;
Não mais andou em noitadas,
De casa pouco saía
E dos seus ricos amantes
Margarida se escondia.
 
Margarida amava Armando
Com carinho e muito afã;
Ela sonhava pra eles
Um promissor amanhã,
E por isso abandonou
A vida de cortesã.
 
[...]
 
Para evitar desconforto
Intrigas e inimizade,
Margarida decidiu
Ausentar-se da cidade,
Pois o que ela mais queria
Era ter tranquilidade.
 
Margarida então decide
Morar na zona rural
Ao lado do seu amado,
O belo Armando Duval,
Pois só assim eles dois
Teriam vida normal.
 
[...]
 
Nesse clima harmonioso
Tudo era felicidade,
Mas lhes faltavam dinheiro
Pra tanta comodidade,
Porém só ela sabia
Dessa dura realidade.
 
Margarida começou
Vender o que possuía
Para poder custear
Despesas do dia a dia,
Mas ela não revelava
Para Armando o que fazia.
 
[...]
 
Depois que Armando saiu
Prudência diz: - Margarida,
Quero saber se tu és
Feliz, levando essa vida.
Tens certeza desse amor?
Responde, minha querida.
 
Margarida disse: - Amiga,
Com toda sinceridade,
O que sinto por Armando
Tem bastante intensidade
E isso é mais que paixão,
É um amor de verdade!
 
[...]
 
Na hora em que ela falava
Sobre esse tão grande amor
Sua criada interrompe
Dizendo: - Tem um senhor
Lá fora e quer lhe falar,
Dizer algo de valor.
 
Quando esse homem entrou,
Falou de forma brutal,
Dizendo pra Margarida:
- Me chamo Jorge Duval.
Vim falar cobre meu filho,
Um jovem sentimental.
 
[...]
 
Ouça-me, então, Margarida,
Com muita calma e atenção:
Minha filha vai casar
Com alguém de posição,
Mas a família do noivo
Impôs certa condição...
 
E é pela minha filha
Que vim aqui, Margarida;
Porque ela é para mim
Uma joia preferida,
Mas sua felicidade
Já está comprometida.
 
A família do meu genro
Me faz pressão toda hora:
E diz que vai retirar
A palavra sem demora
Se meu filho persistir
Em viver com a senhora.
 
[...]

Gostou do cordel??
O que será que Margarida irá fazer diante do apelo do pai do seu grande amor?
Que tal adquirir o cordel e conferir!?





A dama das camélias em cordel é uma adaptação do clássico de Alexandre Dumas Filho para a literatura de cordel, escrita por Evaristo Geraldo e ilustrada por Veridiana Magalhães. O texto conta com 936 versos divididos em 156 estrofes, que narram de maneira fluida e deleitosa uma história de amor, cheia de preconceito e empecilhos. 




A dama das camélias, ou La dame aux camélias, de Alexandre Dumas Filho, em sua versão original, é um romance francês, publicado em 1848. Retrata a história de amor entre uma prostituta chamada Margarida Gautier e um jovem chamado Armando Duval. A narrativa se passa em Paris, capital da França, e mostra, mesmo que sutilmente, uma sociedade marcada pela divisão de valores. Se por um lado, Margarida, a dama das camélias, vivia sob o glamour e luxo parisiense, sendo a cortesã mais requisitada da cidade, é na simplicidade do campo que ela e seu amado se reclusam para viver um grande amor. Porém, diante do preconceito que marcava os costumes da época, principalmente pelo passado da heroína, a relação entre os dois foi interrompida. 


Interessante, não é?


Leia também aqui neste blog outro clássico adaptado para a literatura de cordel: Memórias póstumas de Brás Cubas em cordel.

sexta-feira, 12 de novembro de 2021

O CASAMENTO DO POTÓ COM A BARATA

O casamento do potó com a barata
 
(Jesus Rodrigues Sindeaux)
 
Poeta quando se inspira
Sonha até mesmo acordado
E sempre traz uma história
Do presente ou do passado
Eu agora conto um caso
Que é cem por cento engraçado.
 
Pois eu fui a um casamento
Do potó com uma barata
A barata aprontou-se
E ficou muito pacata
O véu era teia de aranha
Quem lhe deu foi o pai-da-mata.
 
Foram logo pra igreja
Para poder se casar
O padre era o borrachudo
O sacristão um mangangá
Mas o potó tomou um porre
Não pôde se confessar.
 
Mosquito por ser jeitoso
Conversou com o mangangá
Que foi pedir ao vigário
Para o noivo se casar
E o potó ébrio casou-se
Etcétera e grafuá.
 
Depois na casa da noiva
Foi uma festa danada
Mataram setenta moscas
E fizeram panelada
Lagartixa era gulosa
Quase morre empanzinada.
 
Assanhou-se a bicharada
Fazendo o maior tumulto
Tinha inseto lá da mata
Mesmo que fosse matuto
Depois que se embriagava
Partia para o insulto.
 
Pois em questão de minutos
Começou a confusão
A dona caranguejeira
Lutava contra o ferrão
Dum besouro conhecido
Como cavalo-do-cão.
 
O mosquito pernilongo
Tentou os dois acalmar
Mas o cavalo-do-cão
Ferroava pra danar
Caranguejeira lutando
Começou se arrepiar.
 
Numa luta encarniçada
Cada qual o mais valente
Um brigando com ferrão
Já o outro era no dente
Um partia para cima
Lutando de frente a frente.
 
Eita que inseto valente
É uma caranguejeira!
Com seu pelo insuportável
Contaminou a poeira
Todo bicho ali pulava
Se lascando de coceira.
 
Só se ouvia a zueira
Inseto pra todo lado
Cada num que se coçava
Ficava muito vexado
Pois o sapo cururu
Pulava desesperado.
 
Um mosquito amedrontado
Convidou a muriçoca
Começaram se coçando
Escondidos numa loca
Mas tiveram que sair
Da casinha da minhoca.
 
Uma pulga e um taioca
Foram parar no terreiro
Uma formiga-de-roça
Fugiu para o formigueiro
Se coçando pra danar
Era grande o desespero.
 
Um piolho era porteiro
Bajulava sem estilo
Não suportando a coceira
Correu na frente dum grilo
Uma pedra lhe esmagou
Que pesava quase um quilo.
 
Lá na festa também tinha
Um casal de escorpião
Se coçando igual a um mico
Embolava-se no chão
E coçava mais as partes
Que um soim ancião.
 
Nem abelha com ferrão
Se livrou da anarquia
Também entrou no embalo
A perereca e a jia
A perereca coçava
A outra se lambia.
 
Foi tremenda a correria
Era uma briga sem fim
Um carrapato gritava:
- Saiam de perto de mim!
Rasgou a roupa todinha
Duma fêmea de cupim.
 
Narro tim tim por tim tim
Só não sei se foi exato
Punaré coçava o bucho
Do mesmo jeito do rato
Que morreu doido escondido
Se coçando num sapato.
 
Lá tinham dois carrapatos
E um casal de mucuim
Todos quatro se coçando
Fazendo o maior festim
Soltavam puns que fediam
Igualmente a um guaxinim.
 
Ali dois papas-capim
Se sentiram arrepiados
Tinha coceira esquisita
Um magote de veados
E os pobres de jacus
Ficaram muito pelados.
 
Os bichos tão revoltados
Cada um que tá na lista
Tinha inseto tocador
E inseto motorista
O macaco era doutor
E o tamanduá dentista.
 
O cancão era oculista
Também estava na festa
Um guabiru se coçando
Rasgou o couro da testa
Correu no mato igualmente
Um cachorro da mulesta.
 
Também correu na floresta
A raposa embriagada
Rolava pelas pedreiras
Ficando toda pelada
Nisso a pobre dava uivo
Com a coceira danada.
 
Mucuim embriagou-se
Puxou a faca amolada
Pichilingo revoltou-se
Foi uma bagunça danada
Começou boca da noite
Foi parar de madrugada.
 
E o potó com muito medo
Chamou logo o delegado
Carrapato de cachorro
Nesse tempo era soldado
Percevejo era escrivão
E o mosquito advogado.
 
Atirou no mucuim
Porque estava afobado
Pichilingo revoltou-se
E matou o delegado
Já vi que bicho valente
Brabo igual a um condenado.
 
Correndo pra todo lado
Todo bicho amedrontado
O mucuim se coçando
Gritava muito arretado
Eu mato um por um
Não deixo um só desgraçado.
 
E correu todo cagado
Um pobre tijuaçu
Entraram de mata a dentro
Um peba junto a um tatu
Foram parar na Serra Grande
Lá pras bandas do Ipú.
 
E vocês fiquem sabendo
Que não sei se foi exato
Pois é sonho de poeta
Nesse folheto barato
É história de Trancoso
Contada por Fortunato.
 
Sou narrador e relato
Pra quem não é duvidoso
Eu acredito bastante
Nas histórias de Trancoso
Pois também escrevo lendas
Só nunca fui mentiroso.
 
A minha história é completa
De pura imaginação
Com base na humanidade
Eu faço a comparação
Porque uma fruta podre
Causa contaminação.


O vídeo abaixo trata de um casamento parecido, porém da Dona Baratinha. 
Clique e confira:









sexta-feira, 22 de outubro de 2021

UMA MENINA VESTIDA DE JARDIM: CORDEL DE MARIANE BIGIO

Uma menina vestida de jardim

(Mariane Bigio)


Sitio Formoso era lindo

Feito o nome já dizia

Lá morava uma menina

O seu nome era Maria

O mesmo nome da avó

Da mãe e também da tia

 

Por haver tanta Maria

Pra ninguém se aborrecer

Ela ganhou mais um nome

Logo depois de nascer

Tornou-se Maria Flor

E assim pôs-se a crescer

 

O jardim a florescer

A primavera chegou!

Correu notícia no sítio

Rebuliço se instalou

“Vai ter baile e muita dança

o vizinho convidou!”

 

Cada moça procurou

uma roupa pra usar

Maria Flor foi correndo

No seu baú foi buscar

Escolheu um vestidinho

O mais bonito que há!

 

Mas ao experimentar

O vestido não cabia!

Essa Flor cresceu tão rápido

Coitadinha da Maria!

Provou, abriu, não fechou

Nenhuma roupa servia!

 

Uma prima lhe acudia:

“Esse aqui pode ser seu

Já não cabe mais em mim

Já não pode mais ser meu”

Maria pegou o vestido

E à prima agradeceu

 

A menina entristeceu

Queria roupa novinha!

Algo bem diferente

Com detalhes na bainha

Com gola, manga e botão

Babado, laço e fitinha

 

Foi chegando a noitinha

Família toda animada

Só Maria, cabisbaixa

Num cantinho, encostada

Mas quando chegou na festa

Ficou logo deslumbrada!

 

A casa bem decorada

O jardim muito bonito!

Aliás, em todo o sítio

Foi seu canto favorito

Sentou-se ali, entre as plantas

Ficando longe do agito

 

Quando ouviu barulho aflito:

“Que cara é essa querida”

perguntou-lhe uma cigarra

pousada na margarida

Maria Flor respondeu:

Estou muito mal vestida!”

 

E com cara de sofrida

a menina prosseguiu:

Este vestido é usado

Porque outro não serviu

Está grande e desbotado

Não sei se a senhora viu…”

 

E a cigarra fez: “psiu!

Eu posso te ajudar!

Vou chamar alguns amigos

Sua roupa incrementar

Você já é tão bonita

E mais bela irá ficar!”

 

Flor não quis acreditar

Mas a cigarra chamou

A mais linda borboleta

Que em seu colo repousou

“Quer broche melhor que esse?”

A cigarra perguntou

 

E ela então continuou

“Que venham as joaninhas!”

De cima a baixo da roupa

Fizeram fila retinha

“Estes são os seus botões,

mas podem fazer cosquinha!”

 

A astuta cigarrinha

Muitas flores contratou

A papoula bem frondosa

Em mangas se transformou

Cada pétala de rosa

A cigarra costurou

 

Com o fio que sobrou

De uma teia da aranha

Fez assim uma bainha

De beleza tão tamanha

E ainda completou

“Tem alguma coisa estranha…”

 

“Margarida, não se acanha!

É você que está faltando!”

A flor branca e amarela

Foi de pronto se instalando

Nos cabelos de Maria

Que estava adorando!

 

Uma planta se arrastando

Dessas feito trepadeira

Agarrou-se na cintura

E enrolou-se por inteira

A cigarra agradeceu:

Bem-vinda, dona Parreira!

 

Centopéia, bem faceira

Veio quase tropeçando

Subiu até lá em cima

Foi na gola se instalando

Parecia um colar

Com muitas contas brilhando

 

Maria se viu dançando

Não podia acreditar!

Nunca vestiu-se assim

Nunca de imaginar

Quase beijou a cigarra

Que falou pra não cantar:

 

Vá depressa aproveitar

 na festa se entreter

e quando tudo acabar

venha logo devolver

cada coisa pro seu canto

pro jardim poder viver”

 

Maria então foi fazer

O que a cigarra mandou

Se divertiu como nunca!

Todo mundo elogiou

O vestido mais bonito

Que ninguém jamais usou

 

E quem foi que costurou?

Todo mundo perguntava

Maria contava tudo

Mas ninguém acreditava

Ela estava tão feliz

Que pros outros nem ligava!

 

Maria contagiava

Todos com sua alegria

E já nem se importava

Com a roupa que vestia

Assim voltou ao jardim

Onde a cigarra vivia

 

Ali desfez a magia

A todos agradeceu

Cada coisa em seu lugar

A menina devolveu

Voltou com vestido velho

Só que ninguém percebeu!

 

E o dia amanheceu

A festa teve seu fim

Maria Flor florescia!

Terminou feliz assim

A história da menina

Que vestiu-se de jardim!



Clique no vídeo abaixo e assista a uma representação desse cordel:





Leia também aqui neste blog outros cordéis de Mariane Bigio: A bagunça dos brinquedos e Marmelo, o jacaré banguelo.