As proezas de um namorado mofino
(Leandro Gomes de Barros)
Sempre adotei a
doutrina
Ditada pelo rifão,
De ver-se a cara do homem
Mas não ver-se o coração,
Entre a palavra e a obra
Há enorme distinção.
Zé-pitada era um
rapaz
Que em tempos idos havia
Amava muito uma moça
O pai dela não queria...
O desastre é um diabo
Que persegue a simpatia.
Vivia o rapaz
sofrendo
Grande contrariedade
Chorava ao romper da aurora
Gemia ao virar da tarde
A moça era como um pássaro
Privado da liberdade.
Porque João-mole, o
pai dela
Era um velho perigoso,
Embora que Zé-pitada
Dizia ser revoltoso,
Adiante o leitor verá
Qual era o mais valoroso.
Marocas vivia triste
Pitada vivia em ânsia,
Ele como rapaz moço
No vigo de sua infância,
Falar depende de fôlego
Porém obrar é sustância.
Disse pitada a
Marocas:
- Eu preciso lhe falar
Já tenho toda certeza,
Que é necessário a raptar,
À noite espere por mim
Que havemos de contratar.
Disse Marocas a
Zezinho:
- Papai não é de brincadeira,
Diz Zé-pitada: - Ora esta!
Não me venha com asneira
Você pode ver-me as tripas
Porém não verá carreira.
- Diga a que hora hei
de ir,
Eu dou conta do recado
Inda seu pai sendo fogo,
Por mim será apagado,
Eu juro contra minh’alma
Que seu pai corre assombrado.
Disse Marocas: - Meu
pai
Tem tanta disposição
Que uma vez tomou um preso
Do poder de um batalhão,
Balas choviam nos ares,
O sangue ensopava o chão.
Disse ele: - Eu uma
vez
Fui de encontro a mil guerreiros,
Entrei pela retaguarda,
Matei logo os artilheiros,
Em menos de dez minutos
O sangue encheu os barreiros.
Disse Marocas: - Pois
bem
Eu espero e pode ir,
Porém encare a desgraça,
Se acaso meu pai nos vir,
Meu pai é de ferro e fogo,
É duro de resistir.
Marocas não confiando
Querendo experimentar,
Olhou para Zé-pitada
Fingindo querer chorar,
Disse: - Meu pai acordou,
E nos ouviu conversar.
Valha-me Nossa
Senhora!
Respondeu ele gemendo,
Que diabo eu faço agora?!...
E caiu no chão tremendo,
Oh! Minha Nossa Senhora!
A vós eu me recomendo
Nisso um gato
derrubou
Uma lata na dispensa,
Ele pensou que era o velho,
Gritou: Oh! Que dor imensa!
Parece que estou ouvindo
Jesus lavrar-me a sentença.
- A febre já me
atacou,
Sinto frio horrivelmente.
Com muita dor de cabeça,
Uma enorme dor de dente,
Está me dando a erisipela,
Já sinto o corpo dormente.
- Antes eu hoje
estivesse
Encerrado na cadeia,
De que morrer na desgraça,
E duma morte tão feia,
Veja se pode arrastar-me,
Que minha calça está cheia.
- Por alma de sua
mãe,
E pela sagrada paixão,
Me arraste por uma perna
E me bote no portão,
A moça quis arrastá-lo,
Não teve onde pôr a mão.
Ela tirou-lhe a
botina,
Para ver se o arrastava,
Mas era uma fedentina,
Que a moça não suportava,
Aquela matéria fina
Já todo o chão alagava.
Disse a moça: - Quer
um beijo?
Para ver se tem melhora?
Ele com cara de choro,
Respondeu-lhe: - Não, senhora,
Beijo não me salva a vida,
Eu só desejo ir-me embora.
Então lhe disse
Marocas:
- Desgraçado!... Eu bem sabia,
Que um ente de teu calibre,
Não pode ter serventia.
Creio que fostes nascido
Em fundo de padaria.
- Meu pai ainda não
veio
Eu hoje estou sozinha,
Zé-pitada aí se ergueu,
E disse: - Oh minha santinha!
A moça meteu-lhe o pé,
Dizendo: - Vai-te murrinha!
E deu-lhe aí uma
lata,
Dizendo: - Está aí o poço,
Você ou lava o quintal
Ou come um cachorro ensosso,
Se não eu meto-lhe os pés
Não lhe deixo inteiro um osso.
Disse ele: - Oh! meu
amor!
O corpo todo me treme,
Minha cabecinha está,
Que só um barco sem leme,
Parece-me faltar o pulso,
O Anjo da Guarda geme.
Então a moça lhe
disse:
- O senhor lava o quintal
Olhe uma tabica aqui!...
Lava por bem ou por mal,
Covardia para mim,
É crime descomunal.
E lá foi nosso rapaz
Se arrastando com a lata,
A moça ali ao pé dele,
Lhe ameaçando a chibata,
Ele exclama chorando:
- Por amor de Deus não bata.
- Vai, miserável de
porta
Quero já limpo isso tudo,
Um homem de sua marca
Pequeno, feio e pançudo,
Só tendo sido criado
Onde se vende miúdo.
Disse o Zé quando
saiu:
- Eu juro por Deus agora,
Ainda uma moça sendo
Filha de Nossa Senhora,
E olhar para mim, eu digo:
- Desgraçada, vá embora!!
(Leandro Gomes de Barros)
Ditada pelo rifão,
De ver-se a cara do homem
Mas não ver-se o coração,
Entre a palavra e a obra
Há enorme distinção.
Que em tempos idos havia
Amava muito uma moça
O pai dela não queria...
O desastre é um diabo
Que persegue a simpatia.
Grande contrariedade
Chorava ao romper da aurora
Gemia ao virar da tarde
A moça era como um pássaro
Privado da liberdade.
Era um velho perigoso,
Embora que Zé-pitada
Dizia ser revoltoso,
Adiante o leitor verá
Qual era o mais valoroso.
Pitada vivia em ânsia,
Ele como rapaz moço
No vigo de sua infância,
Falar depende de fôlego
Porém obrar é sustância.
- Eu preciso lhe falar
Já tenho toda certeza,
Que é necessário a raptar,
À noite espere por mim
Que havemos de contratar.
- Papai não é de brincadeira,
Diz Zé-pitada: - Ora esta!
Não me venha com asneira
Você pode ver-me as tripas
Porém não verá carreira.
Eu dou conta do recado
Inda seu pai sendo fogo,
Por mim será apagado,
Eu juro contra minh’alma
Que seu pai corre assombrado.
Tem tanta disposição
Que uma vez tomou um preso
Do poder de um batalhão,
Balas choviam nos ares,
O sangue ensopava o chão.
Fui de encontro a mil guerreiros,
Entrei pela retaguarda,
Matei logo os artilheiros,
Em menos de dez minutos
O sangue encheu os barreiros.
Eu espero e pode ir,
Porém encare a desgraça,
Se acaso meu pai nos vir,
Meu pai é de ferro e fogo,
É duro de resistir.
Querendo experimentar,
Olhou para Zé-pitada
Fingindo querer chorar,
Disse: - Meu pai acordou,
E nos ouviu conversar.
Respondeu ele gemendo,
Que diabo eu faço agora?!...
E caiu no chão tremendo,
Oh! Minha Nossa Senhora!
A vós eu me recomendo
Uma lata na dispensa,
Ele pensou que era o velho,
Gritou: Oh! Que dor imensa!
Parece que estou ouvindo
Jesus lavrar-me a sentença.
Sinto frio horrivelmente.
Com muita dor de cabeça,
Uma enorme dor de dente,
Está me dando a erisipela,
Já sinto o corpo dormente.
Encerrado na cadeia,
De que morrer na desgraça,
E duma morte tão feia,
Veja se pode arrastar-me,
Que minha calça está cheia.
E pela sagrada paixão,
Me arraste por uma perna
E me bote no portão,
A moça quis arrastá-lo,
Não teve onde pôr a mão.
Para ver se o arrastava,
Mas era uma fedentina,
Que a moça não suportava,
Aquela matéria fina
Já todo o chão alagava.
Para ver se tem melhora?
Ele com cara de choro,
Respondeu-lhe: - Não, senhora,
Beijo não me salva a vida,
Eu só desejo ir-me embora.
- Desgraçado!... Eu bem sabia,
Que um ente de teu calibre,
Não pode ter serventia.
Creio que fostes nascido
Em fundo de padaria.
Eu hoje estou sozinha,
Zé-pitada aí se ergueu,
E disse: - Oh minha santinha!
A moça meteu-lhe o pé,
Dizendo: - Vai-te murrinha!
Dizendo: - Está aí o poço,
Você ou lava o quintal
Ou come um cachorro ensosso,
Se não eu meto-lhe os pés
Não lhe deixo inteiro um osso.
O corpo todo me treme,
Minha cabecinha está,
Que só um barco sem leme,
Parece-me faltar o pulso,
O Anjo da Guarda geme.
- O senhor lava o quintal
Olhe uma tabica aqui!...
Lava por bem ou por mal,
Covardia para mim,
É crime descomunal.
Se arrastando com a lata,
A moça ali ao pé dele,
Lhe ameaçando a chibata,
Ele exclama chorando:
- Por amor de Deus não bata.
Quero já limpo isso tudo,
Um homem de sua marca
Pequeno, feio e pançudo,
Só tendo sido criado
Onde se vende miúdo.
- Eu juro por Deus agora,
Ainda uma moça sendo
Filha de Nossa Senhora,
E olhar para mim, eu digo:
- Desgraçada, vá embora!!
Você sabe o que significa a palavra mofino?
Segundo o dicionário Michaelis (on-line), mofino significa: aquele que é infeliz, importuno, covarde, avarento ou enfermiço.
Clique AQUI e confira.
Para ouvir esse cordel sendo recitado, clique no vídeo abaixo:
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Leia também aqui neste blog: Viagem a São Saruê e Uma viagem ao céu.
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