sexta-feira, 24 de dezembro de 2021

UM CORDEL SOBRE O NATAL

CARTA A PAPAI NOÉ
(Luiz Campos)

Seu moço eu fui um garoto
Infeliz na minha infância
Que soube que fui criança
Mas pela boca dos outo.
Só brinquei com os gafanhoto
Que achava nos tabuleiro
Debaixo dos juazeiro
Com minhas vaca de osso
Essa catrevage, sêo moço
Que a gente arranja sem dinheiro.

Quando eu via um gurizin
Brincando de velocipe
De caminhão e de gipe
Bola, revólver e carrin
Sentia dentro de mim
Desgosto que dava medo
Ficava chupando o dedo
Chorando o resto do dia
Só pruquê eu num pudia
Pegar naqueles brinquedo.

Mas preguntei uma vez
A uns fio de dotô
Diga, fazendo um favô
Quem dá isso pra vocês?
Mim respondeu logo uns três
Isso aqui é os presente
Que a gente é inocente
Vai drumí às vêis nem nota
Aí Papai Noé bota
Perto do berço da gente.

Fiquei naquilo pensando
Inté o Natá chegá
E na Noite de Natá
Eu fui drumi mim lembrando
Acordei fiquei caçando
Por onde eu tava deitado
Seu moço eu fui enganado
Que de presente o que tinha
Era de mijo uma pocinha
Que eu mermo tinha botado

Saí c’a bixiga preta
Caçando os amigos meu
Quando eles mostraram a eu
Caminhão, carro e carreta
Bola, revólver, corneta
E trem elétrico, até
Boneca, máquina de pé
Mas num brinquei, só fiz vê
E resolvi escrevê
Uma carta a Papai Noé.

“Papai Noé, é pecado
Os outro se matratá
Mas eu vou le recramá
Um troço que tá errado
Que aos fio de deputado
Você dá tanto carrin
Mas você é muito ruim
Que lá em casa num vai
Por certo num é meu pai
Que num se lembra de mim.

Já tô certo que você
Só balança o povo seu
E um pobe qui nem eu
Você vê, faz qui num vê
E se você vê, porque
Na minha casa num vem?
O rancho que a gente tem
E pequeno mas le cabe
Será que você num sabe
Qui pobe é gente também?
Você de roupa encarnada,
Colorida, bonitinha
Nunca reparou que a minha
Já tá toda remendada
Seja mais meu camarada
Prêu num chamá-lo de ruim
Para o ano faça assim:
Dê menos aos fio dos rico
De cada um tire um tico,
Traga um presente pra mim.

Meu endereço eu vou dá,
Da casa que eu moro nela
Moro naquela favela
Que você nunca foi lá
Mas quando você chegá
Que avistá uma paióça
Cuberta cum lona grossa
E dois buraco bem grande
Uma porta véia de frande
Pode batê que é a nossa.

sexta-feira, 10 de dezembro de 2021

CLÁSSICOS DO CORDEL: AS PROEZAS DE UM NAMORADO MOFINO

As proezas de um namorado mofino
(Leandro Gomes de Barros)
 
Sempre adotei a doutrina
Ditada pelo rifão,
De ver-se a cara do homem
Mas não ver-se o coração,
Entre a palavra e a obra
Há enorme distinção.
 
Zé-pitada era um rapaz
Que em tempos idos havia
Amava muito uma moça
O pai dela não queria...
O desastre é um diabo
Que persegue a simpatia.
 
Vivia o rapaz sofrendo
Grande contrariedade
Chorava ao romper da aurora
Gemia ao virar da tarde
A moça era como um pássaro
Privado da liberdade.
 
Porque João-mole, o pai dela
Era um velho perigoso,
Embora que Zé-pitada
Dizia ser revoltoso,
Adiante o leitor verá
Qual era o mais valoroso.
 
Marocas vivia triste
Pitada vivia em ânsia,
Ele como rapaz moço
No vigo de sua infância,
Falar depende de fôlego
Porém obrar é sustância.
 
Disse pitada a Marocas:
- Eu preciso lhe falar
Já tenho toda certeza,
Que é necessário a raptar,
À noite espere por mim
Que havemos de contratar.
 
Disse Marocas a Zezinho:
- Papai não é de brincadeira,
Diz Zé-pitada: - Ora esta!
Não me venha com asneira
Você pode ver-me as tripas
Porém não verá carreira.
 
- Diga a que hora hei de ir,
Eu dou conta do recado
Inda seu pai sendo fogo,
Por mim será apagado,
Eu juro contra minh’alma
Que seu pai corre assombrado.
 
Disse Marocas: - Meu pai
Tem tanta disposição
Que uma vez tomou um preso
Do poder de um batalhão,
Balas choviam nos ares,
O sangue ensopava o chão.
 
Disse ele: - Eu uma vez
Fui de encontro a mil guerreiros,
Entrei pela retaguarda,
Matei logo os artilheiros,
Em menos de dez minutos
O sangue encheu os barreiros.
 
Disse Marocas: - Pois bem
Eu espero e pode ir,
Porém encare a desgraça,
Se acaso meu pai nos vir,
Meu pai é de ferro e fogo,
É duro de resistir.
 
Marocas não confiando
Querendo experimentar,
Olhou para Zé-pitada
Fingindo querer chorar,
Disse: - Meu pai acordou,
E nos ouviu conversar.
 
Valha-me Nossa Senhora!
Respondeu ele gemendo,
Que diabo eu faço agora?!...
E caiu no chão tremendo,
Oh! Minha Nossa Senhora!
A vós eu me recomendo
 
Nisso um gato derrubou
Uma lata na dispensa,
Ele pensou que era o velho,
Gritou: Oh! Que dor imensa!
Parece que estou ouvindo
Jesus lavrar-me a sentença.
 
- A febre já me atacou,
Sinto frio horrivelmente.
Com muita dor de cabeça,
Uma enorme dor de dente,
Está me dando a erisipela,
Já sinto o corpo dormente.
 
- Antes eu hoje estivesse
Encerrado na cadeia,
De que morrer na desgraça,
E duma morte tão feia,
Veja se pode arrastar-me,
Que minha calça está cheia.
 
- Por alma de sua mãe,
E pela sagrada paixão,
Me arraste por uma perna
E me bote no portão,
A moça quis arrastá-lo,
Não teve onde pôr a mão.
 
Ela tirou-lhe a botina,
Para ver se o arrastava,
Mas era uma fedentina,
Que a moça não suportava,
Aquela matéria fina
Já todo o chão alagava.
 
Disse a moça: - Quer um beijo?
Para ver se tem melhora?
Ele com cara de choro,
Respondeu-lhe: - Não, senhora,
Beijo não me salva a vida,
Eu só desejo ir-me embora.
 
Então lhe disse Marocas:
- Desgraçado!... Eu bem sabia,
Que um ente de teu calibre,
Não pode ter serventia.
Creio que fostes nascido
Em fundo de padaria.
 
- Meu pai ainda não veio
Eu hoje estou sozinha,
Zé-pitada aí se ergueu,
E disse: - Oh minha santinha!
A moça meteu-lhe o pé,
Dizendo: - Vai-te murrinha!
 
E deu-lhe aí uma lata,
Dizendo: - Está aí o poço,
Você ou lava o quintal
Ou come um cachorro ensosso,
Se não eu meto-lhe os pés
Não lhe deixo inteiro um osso.
 
Disse ele: - Oh! meu amor!
O corpo todo me treme,
Minha cabecinha está,
Que só um barco sem leme,
Parece-me faltar o pulso,
O Anjo da Guarda geme.
 
Então a moça lhe disse:
- O senhor lava o quintal
Olhe uma tabica aqui!...
Lava por bem ou por mal,
Covardia para mim,
É crime descomunal.
 
E lá foi nosso rapaz
Se arrastando com a lata,
A moça ali ao pé dele,
Lhe ameaçando a chibata,
Ele exclama chorando:
- Por amor de Deus não bata.
 
- Vai, miserável de porta
Quero já limpo isso tudo,
Um homem de sua marca
Pequeno, feio e pançudo,
Só tendo sido criado
Onde se vende miúdo.
 
Disse o Zé quando saiu:
- Eu juro por Deus agora,
Ainda uma moça sendo
Filha de Nossa Senhora,
E olhar para mim, eu digo:
- Desgraçada, vá embora!!





Você sabe o que significa a palavra mofino?

Segundo o dicionário Michaelis (on-line), mofino significa: aquele que é infeliz, importuno, covarde, avarento ou enfermiço.

Clique AQUI e confira.


Para ouvir esse cordel sendo recitado, clique no vídeo abaixo:





Gostou do cordel?
Conte-nos, deixando o seu comentário!



Leia também aqui neste blog: Viagem a São Saruê e Uma viagem ao céu.