sexta-feira, 25 de junho de 2021

A TRISTE PARTIDA (PATATIVA DO ASSARÉ)

A triste partida
(Patativa do Assaré)
 
Setembro passou
com oitubro e novembro,
Já tamo em dezembro,
Meu Deus, que é de nós?
Assim fala o pobre
do seco Nordeste,
Com medo da peste,
Da fome feroz.
 
A treze do mês
ele fez a experiença,
Perdeu sua crença
Nas pedra de sá...
Mas nouta esperança
com gosto se agarra,
Pensando na barra
Do alegre Natá!
 
Rompeu-se o Natá,
porém barra não veio,
O só, bem vermeio,
Nasceu munto além...
Na copa da mata,
buzina a cigarra,
Ninguém vê a barra,
Pois barra não tem.
 
Sem chuva na terra,
descamba janêro,
Depois, feverêro,
E o mêrmo verão...
Entonce o rocêro,
pensando consigo,
Diz: - Isso é castigo!
Não chove mais não!
 
Apela pra maço,
que é o mês preferido
Do Santo querido,
Sinhô São José.
Mas nada de chuva!
tá tudo sem jeito,
Lhe foge do peito
O resto da fé.
 
Agora pensando
Ele segui ôtra tria,
Chamando a famia
Começa a dizê:
- Eu vendo meu burro,
meu jegue e o cavalo,
Nós vamo a Sã Paulo
Vivê ou morrê.
 
Nós vamo a Sã Paulo,
que a coisa tá feia;
Por terras alheia
Nóis vamo vagá.
Se o nosso destino
não fô tão mesquinho,
Pro mêrmo cantinho
Nós torna a vortá.
 
E vende seu burro,
o jumento e o cavalo,
Inté mêrmo o galo
Vendêro também,
Pois logo aparece
feliz fazendeiro,
Por pôco dinheiro
Lhe compra o que tem.
 
Em riba do carro
se junta a famia;
Chegou o triste dia,
Já vai viajá.
A seca terrive,
que tudo devora,
Lhe bota pra fora
Da terra natá.
 
O carro já corre
no topo da serra.
Oiando pra terra,
Seu berço, seu lá.
Aquele nortista,
partido de pena,
De longe inda acena:
Adeus, Ceará!
 
No dia seguinte,
já tudo enfadado,
E o carro embalado,
Veloz a correr...
Tão triste, o coitado,
falando saudoso,
Um fio choroso
Escrama, a dizê:
 
– De pena e sodade,
papai, sei que morro!
Meu pobre cachorro,
Quem dá de comê?
Já ôto pergunta:
– Mãezinha, e meu gato?
Com fome, sem trato,
Mimi vai morrê!
 
E a linda pequena,
tremendo de medo:
– Mamãe, meus brinquedo!
Meu pé de fulô!
Meu pé de rosêra,
coitado, ele seca!
E a minha boneca
Também lá ficou.
 
E assim vão deixando,
com choro e gemido,
Do berço querido
O céu lindo e azu.
Os pai, pesaroso,
nos fio pensando,
E o carro rodando
Na estrada do Su.
 
Chegaro em Sã Paulo,
sem cobre, quebrado.
O pobre, acanhado,
Percura um patrão.
Só vê cara estranha,
da mais feia gente,
Tudo é diferente
Do caro torrão.
 
Trabaia dois ano,
três ano e mais ano,
E sempre no prano
De um dia inda vortá.
Mas nunca ele pode,
só veve devendo,
E assim vai sofrendo
É sofrê sem pará!
 
Se arguma notícia
das banda do Norte
Tem ele por sorte
O gosto de ouvir,
Lhe bate no peito
sodade de móio,
E as água dos óio
Começa a caí.
 
Do mundo afastado,
sofrendo desprezo,
Ali veve preso,
Devendo ao patrão.
O tempo rolando,
vai dia e vem dia,
E aquela famia
Não vorta mais não!
 
Distante da terra
tão seca mas boa,
Exposto à garoa,
À lama e ao paú,
Faz pena o nortista,
tão forte, tão bravo,
Vivê como escravo
Nas terra do su.







Quer ouvir o próprio poeta recitando esse poema? 
Clique no vídeo abaixo e confira:





Canção "A triste partida", interpretada por Luiz Gonzaga:





As imagens a seguir representam a partida de pessoas que saem de sua terra natal para tentar sobreviver em outras regiões:



Retirantes (pintura de Cândido Portinari)


Menino morto (pintura de Cândido Portinari)


Mudança de sertanejo (xilogravura de J. Borges)



Os retirantes (xilogravura de J. Miguel)



Leia também aqui neste blog outro poema de Patativa do Assaré: História de Aladim e a Lâmpada maravilhosa.

Nenhum comentário:

Postar um comentário