sexta-feira, 19 de junho de 2020

O CASAL QUE MAIS BRIGAVA NA PARAÍBA DO NORTE

(Antonio Mota)

Aos leitores e leitoras
Gente simpática e forte
Com prazer irei falar
- Fazendo do verso transporte -
Do casal que mais brigava
Na Paraíba do Norte.

Era um casal engraçado
- Se tiver graça discutir -
Ele bruto igual jucá
Ela pior que siri...
Os dois eram parecidos
Apenas no divergir.

Desde quando namoravam
Não se davam muito bem.
Porém se alguém falasse
Que a briga não convém
Os dois logo respondiam:
"Não é da conta de ninguém".

Por haver na Paraíba
- Como havia em Nazaré - 
Dois nomes muito comuns
Eu arrisco dizer até
Que ela era Maria
E ele se chamava Zé.

Maria era ciumenta
Valente igual cascavel
Gritava por qualquer coisa,
Por nada fazia um tendéu...
Era dessas pequenininhas
Atrevidas que só o créu.

Zé não era diferente
Em se tratando de briga.
Tinha um nervoso danado
E quando dava a fadiga
O seu lundu provocava
Muitos dias de intriga.

Apesar de tudo isso
Resolveram se casar.
"Panela procura o texto"
Eu ouvia vovó falar...
Pois assim Maria e Zé
Formavam um belo par.

Na hora do casamento
Houve a maior peleja
Porque, como sempre é feito,
O rapaz a noiva beija...
Mas Maria não deixou
Por ser dentro da igreja.

Aí Zé se aperreou 
E começou a confusão.
Zé arrancou-lhe o buquê,
Esfregou o cacho no chão,
Ela puxou-lhe a camisa
Que não sobrou um botão.

Maria era bem disposta
Dura que só mororó;
Pegou Zé pela gravata,
Apertou o seu gogó
E lhe deu uma pucha-arranque
Com as duas mãos no nó.

Zé se sentiu apertado,
Faltou-lhe a respiração...
Com os olhos arregalados
Agarrou o sacristão
E disse: Valha-me Deus!
Essa mulher é um cão.

Maria se descuidou ,
Zé passou-lhe uma rasteira.
Ela estendeu-se de costas
Por cima de uma cadeira
Que as pernas se abriram
E levantou a poeira.

O padre ficou doidinho:
Rezou o credo encruzado,
Um pecador e dois terços,
Mais um rosário apressado,
Benzeu água e de joelhos
Deu-lhes um banho sagrado.

Os dois então se acalmaram
E prosseguiu o casamento
Porque faltava assinar 
O livro do testamento
Já que o resto se findara,
Até mesmo o juramento.

Zé concordou em somente
Dá-lhe um cheiro no rosto;
Maria ficou mais calma
Depois lhe cedeu com gosto...
Zé lhe cheirou a bochecha
Como lhe fora proposto.

Terminado o casamento
Zé, Maria e os convidados
Foram-se já da igreja
Saindo mais apressados
Disse o padre ao sacristão:
"Sejam os santos louvados!"

Com as bênçãos do vigário
E as preces do sacristão,
Zé e Maria se foram
Pra confraternização
Que os pais fazem até hoje
Pelas terras do sertão.

Puseram o jantar na mesa,
Vivas aos noivos gritaram,
Fizeram um brinde com pinga,
Beberam e se calaram...
Porque naquele momento
Zé e Maria chegaram.

Estavam muito felizes;
Zé tomou uma lapada,
Deu um estalo no dedo,
Fez uma careta danada
E sentou-se na cadeira
Pra Maria reservada.

Uma fruta de cardeiro
Quando amadureceu
Era o rosto de Maria
Quando aquilo percebeu.
Então disse: Sai, bichote,
Quem senta aí sou eu.

Zé olhou assim de lado
E deu o lugar a ela.
Sentou-se num tamborete
Que tinha uma perna amarela,
Mas ficou sem dizer nada
Pois respeitava o pai dela.

Depois que a festa acabou
Pegaram a dançar no terreiro.
Caíram uns pingos de chuva
Apagou-se o candeeiro...
Puseram o forró na sala,
Zé foi quem dançou primeiro.

Dançou em outras palavras
Porque quase ele apanha
Por causa de uma moça
Para Maria piranha.
Pobre do Zé, no forró,
Ficou frito em pouca banha.

Desligaram o gravador,
Guardaram as fitas na mala...
Os convidados se foram
E os dois ficaram na sala
Discutindo bravamente
Por causa de uma bengala.

No outro dia bem cedo
Maria fez o café,
Chamou o pai e mãe
Depois foi chamar seu Zé.
Seu por serem já casados, 
Mas ela sem ser mulher.

Sem ser mulher no sentido
Que o leitor está pensando.
Porque Maria era fêmea
E mesmo alguém duvidando
Bastava olhar direitinho
Quando ela estava falando.

Zé estava de ressaca
Deitado junto à parede
Porque à noite, sonhando
Meteu a faca na rede;
E quando acordou estava
Quando morrendo de sede.

Foram depois do café
Para a nova moradia.
O leitor deve imaginar
A vida de Zé e Maria:
Era tudo má-criação,
Briga e muita gritaria.

Logo na primeira noite,
Por arte do beleléu,
Por causa de uma agulha
E um velho carretel,
Já começou meio azeda
A doce lua de mel.

Era um carretel velho
De aspecto quase imundo
E uma agulha rombuda
Quase do início do mundo
Que Zé tentava enfiar
Uma linha no seu fundo.

Maria dizia: Não cabe,
Pois está enferrujada.
Zé insistia, dizendo:
É só dar uma molhada.
Espere um pouco, Maria, 
Que eu enfio esta danada.

Já faltando a paciência,
Depois de ficar suado,
Tentando acertar o buraco
Porém sem ter resultado,
Zé guardou a velha agulha
E foi deitar-se virado!

Daí em diante, leitor,
Não faltava discussão:
Porque o arroz queimava,
Porque não tinha feijão,
Por só ter água no pote,
Por faltar manteiga ao pão...

Quando Zé ia pra feira,
Se tomasse uma bicada,
de longe já se ouvia
Aquela mesma zoada,
Tudo, então, se repetia...
E ia até de madrugada.

Se ele eventualmente saísse
Ela dizia: Cuidado!
Ele sabia, portanto, 
Que estava era ferrado
Porque não tinha mais saco
Pra um ciúme tão danado.

Porém, para compensar,
Ele vivia bebendo,
Gastando o pouco dinheiro
E às vezes até devendo...
O pior era que os dois
Continuavam sofrendo.

Zé fumava que só caipora
E Maria não fumava.
Dizia para ele deixar
Porém o Zé não deixava.
Por causa do fumo dele,
Maria com Zé brigava.

Um dia, Zé, por brincar,
Quase levava da breca:
Ele escondeu um bichinho
Igual menino sapeca.
E quando Maria chegou
Ele espantou a perereca.

Maria se agitou,
Pulou em cima do Zé ,
Gritando e se contorcendo...
Acredite se quiser:
Era um animal selvagem
No corpo de uma mulher.

Quando ela se acalmou
Zé estava todo arranhado.
Por causa de um animalzinho,
Eis aí o resultado...
Mas no fundo aquele casal
Era muito apaixonado.

Aliás, para julgar,
Quem será um bom juiz?
Errar é humano mestre,
Assim o ditado diz.
E como diz meu professor:
O importante é ser feliz!

Um dia - Zé me desculpe
Se isso for um fuxico - 
O casal discutiu feio
Por causa de um penico,
Uma xícara sem asa
E um bule velho sem bico.

Brigavam já por besteira
E qualquer motivo banal
Causava uma indiferença
Na vida daquele casal
Conhecedor do que é certo,
Porém, amante bem mau.

Chegavam a se intrigar
Sem que houvesse razão;
Bastava um dos dois pensar
Em qualquer situação
Ou até mesmo sonhar,
Estava pronta a discussão.

Era uma briga por hora,
Uma intriga todo dia.
Já não podiam viver
Naquela desarmonia,
Porque a qualquer momento
Uma tragédia haveria.

Uma noite Zé dormiu
Intrigado com Maria
Por causa de uma coisa
Que ela ver não queria...
Aí, durando o seu sono,
Zé, no seu sonho, morria.

Quando chegava no céu
- A casa do Pai Eterno - 
São Pedro dizia assim:
Aqui é um lugar fraterno,
Só entra quem vive em paz...
Lugar de brigas é no inferno.

Aí Zé mudou de vida...
Naquele sonho aprendeu.
Também Maria mudou.
O amor entre os dois cresceu
Num ritmo que não se traduz.
Isso porque só Jesus
Olha pra cada irmão seu.




Quem é o cordelista??

Fonte: paraibacriativa.com.br

Antonio Mota da Silva é natural da cidade de Mãe D'água, interior da Paraíba, mas atualmente reside em Patos, no mesmo estado, onde trabalha como professor de língua portuguesa em escolas municipais. Começou a escrever cordel no ano de 2002 e desde então já publicou quatorze folhetos. 

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